quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Carta de um Contratado


    Eu queria escrever-te uma carta
    amor
    uma carta que dissesse
    deste anseio
    de te ver
    deste receio de te perder
    deste mais que bem querer que sinto
    deste mal indefinido que me persegue
    desta saudade a que vivo todo entregue...

    Eu queria escrever-te uma cara
    amor
    uma carta de confidências íntimas
    uma carta de lembranças de ti
    de ti
    dos teus lábios vermelhos como tacula
    dos teus cabelos negros como dilôa
    dos teus olhos doces como macongue
    dos teus seios duros como maboque
    do teu andar de onça
    e dos teus carinhos
    que maiores não encontrei por aí...

    Eu queria escrever-te uma carta
    amor
    que recordasse nossos dias na capôpa
    nossas noites perdidas no capim
    que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
    o luar que se coava das palmeiras sem fim
    que recordasse a loucura
    da nossa paixão
    e a amargura nossa separação...

    Eu queria escrever-te uma carta
    amor
    que a não lesses sem suspirar
    que a escondesses de papai Bombo
    que a sonegasses a mamãe Kieza
    que a relesses sem a frieza
    do esquecimento
    uma carta que em todo Kilombo
    outra a ela não tivesse merecimento...

    Eu queria escrever-te uma carta
    amor
    uma carta que te levasse o vento que passa
    uma carta que os cajus e cafeeiros
    que as hienas e palancas
    que os jacarés e bagres
    pudessem entender
    para que se o vento a perdesse no caminho
    os bichos e plantas
    compadecidos de nosso pungente sofrer
    de canto em canto
    de lamento em lamento
    de farfalhar em farfalhar
    te levasse puras e quentes
    as palavras ardentes
    as palavras magoadas da minha carta
    que eu queria escrever-te amor...

    Eu queria escrever-te uma carta...
    Mas ah meu amor, eu não sei compreender
    por que é, por que é, por que é, meu bem
    que tu não sabes ler
    e eu - Oh! Desespero - não sei escrever também!

António Jacinto

Sem comentários: