sexta-feira, 28 de março de 2008

À Beleza de Márcia

Os teus olhos ficaram presos nos meus
Pode acreditar que os levei à casa
À palhota onde no meu alambique
Destilo sonhos de garoto feliz

E busquei na natureza
Alguma beleza em que me acomodasse
Alguma estrela que brilhasse
Com o mesmo fulgor do teu olhar

A noite estava linda quando voltei ao mundo
Esse lugar onde os homens vivem de verdade
As estrelas cantavam e dançam
Ao ritmo do coração que não se continha
E você se propagava como raios
No pensamentos que que eu criava.

Chegou a morte e adormeci
Rogando que os deuses que fabricam sonhos
E os colocam na alma da gente
Me fizessem um favor
Me não despertassem nunca
Antes dos meus desejos se cumprirem

Mas a madrugada chegou
O galo cantou
O cheiro do orvalho me despertou
Tenho que ir vivendo Marcia
Sonhos so cabem nos lençóis

Nelson Livingston

Um Deus para mim I

Me façam um Deus por favor!
De barro, madeira, ferro ou ouro
De alma e muita alma
Me façam um Deus
Um Deus igualzinho a esse que quero
Esse que no desespero
Quero que exista e me acuda

Tem que ser um Deus grande
Um Deus muito grande
Que caiba na palma de minha mão
Um Deus que eu possa transportar
E abraçar na hora de solidão

Tem que ser um Deus como eu quero
Que não mande em mim
Nem em nós
Que me deixe fazer oque bem quero
Oque bem queremos

Quero um Deus em quem possa culpar
Pelos mundos que não quero entender
Pelos defeitos que crio
E colheitas gordas de minhas sementeiras

Um Deus que me oiça
Mesmo quando não lhe falo
Quando o silêncio me cobre a existência.

Não quero um Deus como eu
Livre e preso
Um paradoxo agradável
...

Nelson Livingston

Reencontro

E nem te buscava mais
Se os ventos viviam me dizendo
Que não existes mais
E ou andas nas distâncias infinitas
Cobertas de ignorâncias infinitas

A memória
Essa é que não descansava
De cavar, escavar e recavar
Trazer de longe momentos esquecidos
E me falava e não se calava
E me perguntava, incomodava
Mas eu não te procurava mais

Esse tempo que passou
Até tentou
Apagar dos nossos registos
O tempo que ficou
Gravado no tempo que existimos

Como as ondas do mar chegam a praia
E desfazem as brincadeiras dos meninos
O tempo chegou
Mas não nos levou de vez
Os castelos de areia
Que nossas infâncias deixaram escritas
Nas praias dum passado distante

O sol raiou hoje
Como no nascente de outrora
Todo vigoroso todo rigoroso
O sol surgiu como no parto de antigamente
Lá onde deixamos ficar
O cordão umbilical
Dessa nossa existência conjugada

Nelson Livingston

quinta-feira, 20 de março de 2008

Adeus?

Ainda que eu chore
Que eu encha o Zambeze já cheio
Esse amou me fartou
Se cansou de me amar
E como uma andorinha abriu as asas

Vou visitar o mar
Contar os graus de areia
Vou falar com o sol que manda nos corações
Vou dizer a verdade
Que não acredito no amor
E que nunca menti
Quando disse que não conheço
A cor do amor

Vou rogar os deuses únicos
Esses que moldam destinos
Vou querer que me digam oque me resta.

Nelson Livingston

sábado, 15 de março de 2008

O Sol me Nasceu III


Escuta comigo essa canção
Tape os ouvidos
A alma precisa estar isenta
De outros ruídos

Escute ela se propagando
Pelo éter dessa loucura
Que desmedidamente planeamos

Escute ela nos perguntando a idade
Nos cobrando juízo
Nos lembrando os prejuízos

Escute se eternizando
No cérebro que não termina
E como ondas
Como pêndulo
Escute ela indo e vindo
Sim, ela vai e vem

Escuta ela comigo
Há-de ser que um dia
Precisemos lembrar essa momento
É bom que não seja só meu

Nelson Livingston

O Sol me Nasceu II


E se eu te criasse
Concebida nos dedos do meu cérebro
Te criasse assim
Do mesmo jeito como a vovô Catarina faz
Nessa sua infantilidade de oleira
Mãos sujas de barro
Mente ocupada de imagens

E se aos poucos te desse forma
Corpo, alma, vida
Te sonhasse nesse longínquo mundo
Noites dias passando
Tempos se contando
E te trouxesse do futuro p´ra cá

E surgisses real
Na imaginação
E crescesses até existires
Nos dedos das mãos
E esses
Cruéis
Te moldassem os desejos
Os sonhos de rapariga
Pecados de mãe
Vícios de esposa

E se o futuro e presente
Se fundissem no passado
Num tempo único
Sem tempo, sem medida
Nessa relatividade de Einstein

E tenho medo
Muito medo
Que cedo
desvaneça
Essa memória de infância
Que ainda me lembra de valores
Que quero esquecer
Agora que o sol me nasceu
Tenho medo que eu te crie

Nelson Livingston

sexta-feira, 14 de março de 2008

O Sol me Nasceu I


Assim
Nu como sei estar
O sol me queima a alma
E me assusta na cama
E sonho e acordo
E me deleito nessa infantilidade amadurecida
E sol entra

Primeiro pela nuvem aberta
E pela janela
E pela alma aberta
E entra
Inunda
Desimunda
Esse sótão abandonado

E percorre compartimentos
E sentimentos
Desfaz conceitos
Princípios
Éticas

E o sol não teme
Nunca teme
Me cobre o rosto
O gosto
Me açucara os lábios humedece

O sol cresce dentro
Desfaz fronteiras
Nega realidades
E me queima a alma nua.

Nelson Livingston

quinta-feira, 13 de março de 2008

Cheias no Zambeze IV

Ah Mariana!
Eu te disse que era assim em todas as luas
O Zambeze segue a promiscuidade dos deuses
E se deixa encantar

O espírito do rio deixa o corpo
E segue viagens
Eu te disse Mariana
Que encantamento algum lhe segura

Os ventos que sopram
Nada trazem de novo
Levantam-nos sim as vestes
Deixando a descoberto partes proibidas
Nossas vergonhas seculares
E você sabia Mariana

Faraó nenhum deixou o Nilo Mariana
Por isso te pedi
Roguei que esperasses que os mêses se acertassem
Não sei se também são nove
Que o Zambeze parisse
Te pedi para seres a parteira

Fica Mariana!
Os crocodilos vão precisar de consolo
E a terra molhada
Estrume para as próximas colheitas
Fica Mariana!
Fica!


Nelson Livingston


Originalmente publicado aqui

Cheias no Zambeze III

Querida,

Tem gente me perguntando

Porque não te deixo

Se a cada ano me queixo

Dessas tuas manias de enchentes


Porque não saio dos teus braços

Me solto em busca de outros amores

Corações mais seguros


Mas eles não sabem querida

Que amor eterno nos une

Amor cimentado pelos mortos

Que sepultamos no teu ventre


Amor encomendado pelo sabor da batata

Alegria dos pepinos dos teus seios

As tuas ancas abobradas

Não sabem da gordura das nossas colheitas


Não sabem da eternidade da nossa história

Que em ti, só em ti

Existe minha existência

Sempre existiu

Mesmo com as tuas manias de enchentes


Mas mesmo sabendo disso

Essa gente pensa que amor sofrido como nosso

Amor regado de lágrimas e tristezas

Não tem graça

Só desgraça

E eu penso que eles estão certos querida


Mas essa gente também não sabe

Que se te deixo não tenho para onde ir

Outro coração que me ame como tu

Nunca me deram alternativa

Embora pensem que sim


Nelson Livingston


Originalmente publicado
aqui

Cheias no Zambeze II

Conheço Zambeze desde os dias de menino

Quando ambos pequeninos

Por essas alturas de embriaguês

Corriamos atrás dos pepinos

Que inocentes flutuavam no seu ventre


Me lembro como Zambeze se fazia grande

Inundava bananeiras e papaeiras

Inundava crocodilos

E ria-se às gargalhas

Zombando a pequenês dos hippos


Eramos ambos pequeninos

E nas lareiras das noites chuvosas

Agasalhados pelo frio

Nos contavam histórias distantes

Das brincadeiras do Zambeze


Zambeze cresce todas vezes

Cresce todos dias

Basta que o coveiro anuncie a sepultura do Dezembro

Basta o sol de Janeiro nascer

Zambeze cresce

Cresce desde o tempo que éramos ambos pequeninos

Desde até antes de existirmos


Hoje Zambeze cresceu

E o povo esqueceu

Que Zambeze cresce todos dias

Basta que o coveiro anuncie a sepultura do Dezembro

Basta o sol de Janeiro nascer

Zambeze cresce

Nelson Livingston

Originalmente publicado
aqui

Cheias No Zambeze I

Cresce Zambeze

De àguas pura e impuras

Verdades e mentiras

Cresce de mortes e curas

Cresce Zambeze


Agigante-se nos meu olhos gigantes de fomes

Na riqueza de minha memória

Ontens que nem foram sepultados

Cresce Zambeze


Cresce e deixa suspenso

O leito onde me procriaram

Onde se saborearam

Noites de prazeres proibidos

Cresce e deixa suspenso

A batateira que me viu ir à escola

Cresce Zambeze


Podem ser lágrimas essas tuas

Lágrimas que quero que sejam derramadas

Para que o mundo acoda

E eu acorde para o amanha que também quer existir

Esquero que sejam lágrimas periódicas



Nelson Livingston

Originalmente publicado
aqui

quarta-feira, 12 de março de 2008

Equivocos amorosos

Se eu te amasse Mariana
Te amava como amo à Genoveva
Essa alma de almas misturadas
O leite do coco de Inhambane
Que transborda na areia das ilhas do norte
E surgem os raios do meu sol

Te amaria cobardemente
Envolto no medo de te ter e me perder
De te lembrar e me esquecer

Eu te beijaria na boca Mariana
Como nos sonho estrelados
Nos beijos sonhados da genoveva.

Te levaria à lua
E no prateado das suas ondas
Dançávamos qualquer coisa

Se eu te amasse Mariana
Não falava
Não cantava como costumo ouvir
Deixaria a vida ela própria te dizer

Não escreveria poema nenhum
Deixaria a poesia do meu amor
Transbordar sem palavras

Nelson Livingston

terça-feira, 11 de março de 2008

Saudades do Futuro


Tenho saudades do futuro
Esse nado morto que me espera algures
Tempo que sem dó me aguarda
No escuro da incerteza que me rodeia

Vai longe mas sinto-o bem perto
Me abraça e me aquece o corpo todo
Sempre presente o futuro me persegue

Nas noites de estrelas dançantes
O futuro me enche os cabelos brancos
Me faço sábio, me faço velho
E sonho com a velhice, sonho com a sabedoria

Escuto a música do vento
Acaricio o pensamento
E o futuro me abraça, me aquece o corpo todo
Ah que sonho delicioso

Não sei se o futuro vem a mim
Ou se eu vou a ele
Só sei que nos encontramos algures
E é desse lugar que sinto saudades
Como se já lá tivesse estado.

Nelson Livingston

Ao Elogio da Fátima



Fatucha me nega às palavras
Acha que são grandes demais para minha alma simples
Alma que Fatucha nem conhece
Mas julga conhecer de algum jeito

Fatucha me vê pequeno ao tamanho dos grandes
E nem me vê
Na sombra dos grande onde me procura
Onde ela me enxerga
Eu nunca estive lá

E me procura e me procura
E me nega e me nega
Fatucha tens sorte já te disse
Carrego nas entranhas uma alma forte
Robusta como o embondeiro
Sabes como é o limoeiro
Não é azedo mesmo parindo limão

A alma que carrego
É espaçosa como Zambeze
Se enche, cresce e faz estragos quando quer
Mas também rega, dá banho e peixe
É alma crescida que vento não abana
Alma veloz que vento não apanha

Essa é tua sorte Fatucha
Se me almasse um riacho
Coisinha que molha e seca como ondas do mar
Ai que me sentiria ultrajado já te disse
Ultrajado que me negasses às palavras
Que as achasses grandes demais
Para demais para minha alma simples
Alma que nem conheces
Mas julga conhecer de algum jeito

Nelson livingston

segunda-feira, 3 de março de 2008

Abraço


Abraça-me forte
Como faz a morte
Quando chega e cega as vontades
Abraça-me
E vê se não diz nada
Me basta a voz de teu coração
Essas batidas suaves
Que me falam em diversas línguas
Oque numa só entendo
Amor

Abraça-me e deixa o tempo passar
Deixa ele ir e vir
Nesse pêndulo gostoso
Que nos embala
Que nos faz sonhar e acreditar
Nesse silêncio que criamos
Apressados como são nossos pensamentos

Abraça-me e deixe-nos ficar
Assim como estamos abraços
Na eternidade


Nelson Livingston